A ficha limpa foi iniciativa popular

Da Redação | 14/05/2010, 13h45

O projeto Ficha Limpa (PLC 58/2010 - Complementar) surgiu a partir de iniciativa popular, tendo recebido 1,6 milhões de assinaturas colhidas pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral. Foi apresentado ao Congresso em 2009 e relatado inicialmente pelo deputado Índio da Costa (DEM-RJ). O texto que chega ao Senado foi aprovado sob a forma de substitutivo de autoria do deputado José Eduardo Cardozo (PT-SP). O relator tomou como base esse texto de Índio da Costa, e também apensou outros nove projetos similares que tramitavam na Câmara, entre os quais o projeto de iniciativa popular, que tramitou como Projeto de Lei Complementar 518/09.

A proposta impede candidaturas de pessoas condenadas pela Justiça, em decisão colegiada (por grupo de juízes), por praticarem crimes de corrupção, abuso de poder econômico, homicídio e tráfico de drogas. O texto também amplia os casos e o período de inelegibilidade, estabelecendo em oito anos o tempo em que o político fica impedido de se candidatar quando for condenado por crimes eleitorais, hediondos, contra o meio ambiente, de racismo e outros.

Principais pontos do projeto

Corrupção: Entre as novas causas de inelegibilidade, seja com sentença transitada em julgado ou condenação por colegiado, o projeto inclui o crime de corrupção eleitoral, inclusive compra de votos, prática de caixa dois ou conduta proibida em campanhas para os que já são agentes públicos. É necessário, entretanto, que o crime implique cassação do registro ou diploma, em julgamento na Justiça Eleitoral. Será declarada também inelegível a pessoa condenada com a suspensão dos direitos políticos por ato doloso de improbidade administrativa com lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito.

Processo administrativo: A inelegibilidade também poderá ocorrer quando magistrados e integrantes do Ministério Público deixarem os cargos na pendência de processo administrativo. Serão ainda inelegíveis, salvo anulação ou suspensão do ato pela Justiça, os demitidos do serviço público devido a processo administrativo e os condenados por órgão profissional à perda do direito de trabalhar na área, em decorrência de infração ética ou profissional.

Efeito suspensivo: Segundo o substitutivo, o candidato poderá pedir que tenha efeito suspensivo o recurso que ele apresentar contra uma decisão colegiada. No entanto, isso dará mais rapidez ao processo, que terá prioridade de julgamento. Se o recurso for negado, será cancelado o registro da candidatura ou o diploma do eleito. Segundo Cardozo, o efeito suspensivo tem o objetivo de conciliar dois fatores: o desejo da sociedade de evitar que pessoas sem ficha limpa disputem cargos eletivos e o direito ao contraditório e à ampla defesa. O julgamento do recurso com efeito suspensivo só não terá prioridade sobre o julgamento de mandados de segurança e habeas corpus. O texto prevê também que a prática de atos pela defesa com a mera intenção de ganhar tempo (recursos protelatórios) provocará a revogação do efeito suspensivo. Quando o projeto virar lei, os recursos já apresentados contra a decisão de um colegiado poderão ganhar o efeito suspensivo com prioridade de julgamento, caso a defesa faça tal solicitação.

Renúncia: O projeto pune os políticos que renunciarem ao mandato para evitar abertura do processo de cassação, incluindo essa prática na Lei Complementar 64/90 como um dos motivos para tornar o político inelegível. Quem renunciar para não ser cassado, não poderá, portanto, se candidatar nas eleições seguintes. Essa norma vale para os titulares do Executivo e do Legislativo em todas as esferas (federal, estadual, distrital e municipal).

Parentes: A simulação de vínculo conjugal ou seu rompimento para burlar a inelegibilidade de parentes é outro caso a ser considerado como motivo de inelegibilidade. De acordo com a lei em vigor, já são proibidas as candidaturas de cônjuges para os cargos de prefeito, governador e presidente da República.

Doação ilegal: São declaradas inelegíveis as pessoas físicas ou os dirigentes de pessoas jurídicas condenadas por doações ilegais pela Justiça Eleitoral, em decisão de colegiado ou transitada em julgado.

Crimes dolosos: O texto também aumenta a lista de crimes que impedem a candidatura em processos iniciados por ação penal pública. Além daqueles contra a economia popular, a fé pública, a administração e o patrimônio públicos, são incluídos crimes contra o meio ambiente e a saúde pública, bem como crimes de lavagem de dinheiro, tráfico de drogas, prática de trabalho escravo e os delitos cometidos por organização criminosa ou quadrilha, entre outros. Quanto aos crimes de abuso de autoridade, a inelegibilidade ficou restrita aos casos em que o réu for condenado à perda do cargo ou ficar impedido de exercer função pública.

Contas rejeitadas: A inelegibilidade causada pela rejeição de contas por irregularidade incorrigível passará a ser condicionada aos casos em que isso seja considerado ato doloso de improbidade administrativa. Atualmente, a lei permite a candidatura se a Justiça estiver analisando o processo. O projeto Ficha Limpa é mais específico e permite a candidatura apenas se a decisão do Tribunal de Contas for suspensa ou anulada pela Justiça.

Colaboração: Os processos por abuso do poder econômico ou do poder de autoridade também terão prioridade no Ministério Público e na Justiça Eleitoral, exceto sobre os pedidos de habeas corpus e mandados de segurança. As polícias judiciárias, os órgãos de Receita, os Tribunais de Contas, o Banco Central e o Conselho de Atividade Financeira deverão ajudar a Justiça Eleitoral e o Ministério Público Eleitoral na apuração dos delitos relacionados às eleições, com prioridade sobre as demais atribuições.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

A ficha limpa foi iniciativa popular

A Lei da Ficha Limpa foi criada em 2010 e até hoje é pauta dos principais jornais em âmbito nacional. Isso porque ela mexe com a possibilidade da candidatura de políticos em eleições. Além disso, ela ainda é discutida, em termos de sua constitucionalidade, no Supremo Tribunal Federal. Enquanto outros setores da sociedade discutem sua aplicação e consequências, vamos entender sobre o que, de fato, ela trata?

Como surgiu a Lei da Ficha Limpa?

Essa lei nasceu em dezembro de 2010 por iniciativa popular, com a Campanha da Ficha Limpa, pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE). O movimento desenvolveu esta campanha por conta das manifestações de diversos setores da sociedade que ansiavam maior rigor para as candidaturas políticas e no combate à corrupção.

A Lei da Ficha Limpa é, na verdade, a Lei Complementar nº 135 de 2010, que altera algumas questões da Lei Complementar nº 64, de 1990. A LC nº 64 era a lei que dispunha sobre as condições, os motivos e as situações em que uma pessoa não poderia se eleger para um cargo público. Assim, a LC nº 135 veio para conceder mais rigidez às regras já existentes e impor algumas outras.

A coleta de assinaturas foi iniciada em 2008. Isso pois era necessário alcançar mais de 1,3 milhões de assinaturas para que o projeto fosse levado ao Congresso Nacional. Em poucos meses, o projeto foi levado ao então presidente da Câmara de Deputados, Michel Temer. Mesmo depois de entregue, o número de adesões continuou aumentando, chegando a 1,6 milhão de assinaturas.

Assim, o projeto tramitou como qualquer outra lei no Brasil. Primeiro, passou pela Câmara dos Deputados – em uma comissão que reunia pessoas de todos os partidos políticos.  Depois, pelo Senado Federal – com apenas uma alteração na redação. Por fim, foi sancionada pelo então presidente, Lula, em 4 de maio de 2010.

Afinal, o que diz a Lei da Ficha Limpa?

Por mais que algumas atividades sejam ilícitas, muitas vezes continuam a ser praticadas por representantes do poder público. A Lei da Ficha Limpa pretende impedir a eleição de pessoas que realizam tais práticas e que tenham sido, por exemplo, condenadas por crimes, ou tenham  processos em andamento na Justiça Eleitoral, entre vários outros motivos.

Quando estava em tramitação na Câmara dos Deputados, um ponto importante do projeto sofreu alteração. Originalmente, no projeto de lei, constava que uma condenação em qualquer órgão do Judiciário implicaria na inelegibilidade de uma pessoa. Isso, porém, mudou. Só é inelegível a pessoa que foi condenada por um órgão colegiado – ou seja, se, no mínimo, três juízes participaram da decisão.

Como mencionamos, a Lei da Ficha Limpa reúne as condições em que os políticos ficam impedidos de concorrer nas eleições. Algumas delas já haviam sido citadas na Lei Complementar nº 64, outras foram criadas pela nova lei. A Lei da Ficha Limpa estabelece aos políticos ficarem inelegíveis por um período de 8 (oito) anos após sua condenação – quando a decisão transita em julgado e não cabe mais recurso – ou após terem incorrido em alguma prática elencada na lei. Listamos abaixo algumas situações citadas na LC 135, não poderão se eleger os políticos que:

  • Renunciam ao seu cargo a fim de não mais serem processados ou para fugir de condenação. Esses não poderão se candidatar nas próximas duas eleições;
  • Foram condenados por crimes de várias naturezas, variando entre improbidade administrativa, crimes contra o patrimônio público, lavagem de dinheiro  e ocultação de bens, abuso de autoridade, entre vários outros.
  • Descumpriram prerrogativas de seus cargos previstas na Constituição. Por exemplo: não serem donos de empresas que tenham contratos com o poder público, por exemplo;
  • Que foram condenados por qualquer má prática relativa ao seu serviço no governo, que tenha a ver com a administração pública;
  • Que perderam seus cargos por alguma infração que cometeram durante seus mandatos;
  • Os que têm processos em andamento (que já foram aprovados) na Justiça Eleitoral;
  • Os que têm processo de apuração de abuso de poder econômico ou político para a eleição na qual concorrem.

Estes são apenas alguns exemplos das razões pelas quais alguma pessoa não pode se candidatar a um cargo. Existem outros listados na lei.

Por que a Lei não valeu para as eleições de 2010?

O primeiro órgão do Judiciário que discutiu a Lei da Ficha Limpa foi o TSE, antes das eleições gerais de 2010. Lá, a lei saiu vitoriosa. Inclusive, ministros do TSE foram visitar os Tribunais Regionais Eleitorais pedindo sua aplicação já naquelas eleições.

Após, a lei seguiu para o STF, que precisava decidir se a Lei da Ficha Limpa valeria para as eleições de 2010. Se isso acontecesse, vários políticos estariam em posição de inelegibilidade. Inicialmente, o Tribunal decidiu a validade da lei para aquelas eleições. Entretanto, vários processos chegaram, de políticos – em condições de inelegibilidade – alegando que a lei, naquela eleição, não era válida.

Uma nova votação foi feita. Por fim, foi decidido que a lei não valeria para as eleições gerais de 2010, só para a de 2012. Dessa forma, ela estaria válida para todas as eleições seguintes, como a de 2016 e 2018. O STF também julgou a constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa, ou seja, julgou se ela foi redigida de acordo com os preceitos constitucionais e poderia ser aplicada.

Mudanças na lei

Sobre a elegibilidade dos Chefes do Executivo

A Ficha Limpa determina que os chefes do Executivo que tiverem suas contas rejeitadas por “órgãos competentes” serão inelegíveis por uma “decisão irrecorrível“. O que isso significa?

Vamos explicar: o Tribunal de Contas é responsável por fazer o parecer das contas do prefeito. Já o julgamento das contas cabe à Câmara de Vereadores e tem um prazo determinado para ser feito. Esse era, basicamente, o trâmite previsto para a aprovação ou rejeição das contas do chefe do Executivo.

Caso a Câmara não fizesse o julgamento a tempo e o Tribunal de Contas tivesse considerado as contas improcedentes, o então Prefeito (ou chefe de qualquer âmbito do Executivo) seria impedido de se candidatar às eleições – seria “ficha suja”.

Em 2016, esse ponto da lei foi colocado em discussão no Supremo Tribunal Federal. Ficou decidido no julgamento dos Recursos Extraordinários 848.826 e 729.744 que a rejeição das contas do chefe do Executivo só pode torná-lo inelegível se a votação da Câmara Legislativa for realizada. O parecer feito pelo Tribunal de Contas não tem o poder de impedir o político de se candidatar, apenas a Câmara. Essa medida começou a valer nas eleições municipais de 2016.

E se o julgamento da Câmara nunca acontecer? Não importa, o prefeito continua com a ficha limpa, mesmo que o Tribunal de Contas tenha rejeitado suas contas.

Sobre a constitucionalidade da Lei

Ao final de 2020, o Ministro Kassio Nunes, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 6630 proposta pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), considerou inconstitucional certo trecho da Lei da Ficha Limpa. Especificamente o Art. 1°, alínea E, inciso I, da Lei complementar 64/1990 com redação pela LCP 135/2010, que diz: 

 “Art. 1º São inelegíveis:

(…)

e) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, pelos crimes:”. 

Na decisão, o Ministro acatou os argumentos apontados pelo PDT sobre o Art. 1°, alínea E, inciso I, que deveria ter uma interpretação única para que não se aplique uma inelegibilidade maior aos candidatos políticos. De acordo com a redação, o candidato já estaria inelegível durante o trâmite do processo e ao sofrer a condenação teria que cumprir os 8 anos estabelecidos pela lei – isto implicaria em um tempo maior de inelegibilidade se somado a duração do processo e a condenação.

Desta maneira, o Ministro Kassio Nunes entendeu no sentido de que o prazo prescrito pela lei complementar deve contar a partir do início do processo e não após o trânsito em julgado – quando não há mais possibilidade de entrada de recursos no processo.

Sobre o projeto de Lei Complementar nº9/2021:

No ano de 2021, um importante acontecimento ocorreu na Câmara de Deputados que aprovou o projeto de lei complementar N° 9/2021, o projeto pretende limitar a inelegibilidade de certos políticos.

A votação na Câmara, que levou o placar de 345 favoráveis ao projeto e 98 votos contra, aprovou a alteração que  possibilita aos políticos que tiveram suas contas rejeitadas e levaram punição de apenas multa para que continuem elegíveis, contrariando o texto original da Lei da Ficha Limpa.

O projeto de lei complementar ainda deve passar por votação pelo Senado Federal e não havendo alterações segue para a sanção ou veto presidencial. 

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