O que a Constituição de 1988 garantiu em relação aos assuntos políticos?

O que a Constituição de 1988 garantiu em relação aos assuntos políticos?

Juliana Bezerra

Professora de História

A "Constituição da República Federativa do Brasil", "Constituição Cidadã" ou simplesmente "Constituição de 1988" foi promulgada no dia 5 de outubro de 1988.

Foi a sétima constituição do Brasil desde a sua Independência, em 1822 e a sexta do período republicano.

Resumo

O que a Constituição de 1988 garantiu em relação aos assuntos políticos?

O deputado Ulysses Guimarães ergue um exemplar da Constituição no dia da promulgação

O documento foi elaborado pela Assembleia Nacional Constituinte, eleita democraticamente em 15 de novembro de 1986, e presidida por Ulysses Guimarães. Na ocasião, o presidente da República era José Sarney.

Os trabalhos da Constituinte se desenvolveram de fevereiro de 1987 a setembro de 1988 e marcaram o processo de redemocratização do país, após o regime militar.

Principais Características

1. Direitos Trabalhistas

A nova constituição consolidou diversos conquistas aos trabalhadores, como:

  • O abono de indenização de 40% do FGTS na demissão e o seguro-desemprego;
  • O abono de férias e o 13º salário para aposentados;
  • Jornada semanal de 44 horas, quando antes era de 48 horas;
  • Licença maternidade de 120 dias e licença paternidade de 5 dias;
  • Direito à greve e a liberdade sindical.

2. Direitos Humanos

Além disso, várias outras conquistas foram alcançadas no campo dos direitos humanos:

  • Fim da censura dos meios de comunicação;
  • Liberdade de expressão;
  • Direito das crianças e adolescentes;
  • Eleições diretas e universais com dois turnos;
  • Direito ao voto para os analfabetos;
  • Voto facultativo aos jovens entre 16 e 18 anos;
  • A prática do racismo passou a ser crime inafiançável;
  • Proibição da tortura;
  • Igualdade de gêneros;
  • Fomento ao trabalho feminino.

3. População Indígena

A Carta Magna de 1988 determinou que os índios teriam a posse das terras que ocupavam bem como aquelas que eles tradicionalmente ocupavam.

Também garante à União o direito de legislar sobre os índios e garantir a preservação dos seus costumes, línguas e tradições.

4. Quilombolas

Igualmente, a Constituição de 1988 reconheceu o direito de posse às terras ocupadas por remanescentes de Quilombos.

Estrutura da Constituição Federal

A Constituição de 1988 está estruturada em nove títulos, a saber:

  • Título I - Princípios Fundamentais
  • Título II - Direitos e Garantias Fundamentais
  • Título III - Organização do Estado
  • Título IV - Organização dos Poderes
  • Título V - Defesa do Estado e das Instituições
  • Título VI - Tributação e Orçamento
  • Título VII - Ordem Econômica e Financeira
  • Título VIII - Ordem Social
  • Título IX - Disposições Gerais

A Constituição rege o ordenamento jurídico do país, estabelece regras que regulam e pacificam os conflitos de interesse dos grupos que integram uma sociedade.

Mudanças no texto da constituição estão previstos por lei e podem ser feitas através de emenda constitucional.

Com exceção das cláusulas pétreas (aquela que não podem ser alteradas), entre elas estão:

  • O Sistema Federativo do Estado;
  • O voto direto, secreto, universal e periódico;
  • A separação dos poderes;
  • Os direitos e as garantias individuais.

Após 25 anos em vigor, completados no dia 5 de outubro de 2013, a Constituição já recebeu 75 emendas constitucionais.

Confira na íntegra o documento atualizado fazendo o download do PDF aqui: Constituição de 1988.

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O que a Constituição de 1988 garantiu em relação aos assuntos políticos?

Bacharelada e Licenciada em História, pela PUC-RJ. Especialista em Relações Internacionais, pelo Unilasalle-RJ. Mestre em História da América Latina e União Europeia pela Universidade de Alcalá, Espanha.

Da Redação | 01/10/2008, 19h55

Ao batizar de Constituição Cidadã a Carta promulgada em 05 de outubro de 1988, o presidente da Assembléia Nacional Constituinte, deputado Ulysses Guimarães, resumiu o espírito do texto constitucional: assegurar aos brasileiros direitos sociais essenciais ao exercício da cidadania e estabelecer mecanismos para garantir o cumprimento de tais direitos. Vinte anos depois, são diversos os reflexos desse esforço dos constituintes na sociedade brasileira, em especial no mundo do trabalho, que passou a contar com direitos trabalhistas essenciais, inéditos à época no texto constitucional e hoje incorporados definitivamente ao cotidiano das relações formais de trabalho.

Jornada de trabalho de oito horas diárias e 44 horas semanais, décimo terceiro salário, direito ao aviso prévio, licença-maternidade de 120 dias, licença-paternidade e direito de greve são alguns exemplos. Para os brasileiros que ingressaram no mercado de trabalho já sob a vigência da Constituição de 1988, pode parecer que tais direitos, hoje comuns nas relações trabalhistas formais, sempre vigoraram no país. Muito pelo contrário, foram resultado de acirradas disputas políticas, de intermináveis debates envolvendo entidades patronais e sindicais durante os trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte.

Os esforços de articulação que levaram à "missão histórica" de incluir na Constituição direitos inéditos dos trabalhadores foram lembrados pelo então deputado constituinte e hoje senador Paulo Paim (PT-RS), em entrevista à Agência Senado. Ele ressalta que, na ocasião, além do trauma pelos anos de repressão vividos durante o regime militar, o movimento sindical também enfrentava a resistência do empresariado que dizia temer que benefícios trabalhistas pudessem inviabilizar o crescimento econômico do país.

- Aprovamos direitos e garantias para a classe trabalhadora, como, por exemplo, a licença-maternidade, a licença-paternidade e a redução da jornada de trabalho de quarenta e oito horas semanais para quarenta e quatro horas, e o número de postos de trabalho aumentou. Portanto, ficou provado que a garantia de direitos trabalhistas não traz prejuízos para a economia nem para o mercado de emprego - observa Paim.

Diversas outras medidas que hoje asseguram proteção ao trabalhador e que foram fruto do trabalho da Constituinte são apontadas pela consultora legislativa do Senado Roberta de Assis e Silva, entre as quais os mecanismos contra a demissão arbitrária e contra a redução de salário. Ela também lembra que foram prestigiadas pela Constituição as relações coletivas de trabalho, a partir da determinação pela autonomia sindical. A Carta resgatou a liberdade de organização sindical, inclusive para servidores públicos. No mesmo sentido, tornou constitucional o direito de greve para trabalhadores da iniciativa privada e do setor público. No entanto, determinou a elaboração de lei específica para regulamentar a situação do servidor público, o que ainda não foi feito.

Diretos sociais

A prioridade dada pelos constituintes aos direitos dos brasileiros pode ser observada não apenas nas questões referentes às relações de trabalho. A própria inserção dos direitos sociais como segundo titulo da Constituição já revela a intenção dos parlamentares que elaboraram a Carta. Na Constituição de 1988, os direitos sociais vêm atrás apenas dos direitos individuais e coletivos. Todos os demais títulos, inclusive os referentes à organização do Estado e dos Poderes, vêm depois, ao contrário do que ocorreu com as Constituições anteriores. O ordenamento dos capítulos na Constituição de 1988 parece revelar o desejo de mudança contido no discurso de Ulysses Guimarães, como se a promulgação da Carta fosse o prenúncio de um país em que os direitos dos cidadãos formam as bases para o ordenamento do Estado.

Além do trabalho, a Constituição estabelece como direitos sociais, no art. VI: saúde, educação, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados. Pela primeira vez, o país reconhece a saúde como um direito social e não um serviço, como explica o consultor legislativo Luiz Carlos Pelizari Romero

De acordo com a legislação em vigor até 1988, a assistência médica era tratada como benefício de Previdência Social, conferido apenas aos contribuintes do Instituto Nacional de Previdência Médica e Assistência Social (Inamps). Com a nova Carta, a assistência médica e farmacêutica deixa de ser benefício previdenciário e passa a ser direito social, garantido pelo Estado a todos os brasileiros, independentemente de contribuição previdenciária.

- Até então, as ações de saúde eram tratadas nos textos constitucionais como serviço público e só em 1988 são transformadas em um direito social. Os Estados Unidos, por exemplo, até hoje não reconhecem saúde como direito social e nisso o Brasil está na frente - enfatiza Romero.

O especialista também aponta como avanço o fato de a Constituição estabelecer as ações de saúde como de relevância pública. No mesmo sentido, observa ele, os constituintes levaram para o texto constitucional o reconhecimento de que as condições de saúde decorrem de políticas sociais e econômicas. E como forma de materializar esse direito, a Carta institui o Sistema Único de Saúde (SUS).

- A determinação de relevância pública se materializa por meio de políticas públicas e por meio de um sistema público que garante acesso universal, igualitário e gratuito às ações de serviços de saúde.

Como limitantes à universalização do acesso ao sistema de saúde, o especialista aponta a não-implementação do modelo de financiamento proposto para o setor, previsto na Carta.

- A Constituição prevê um sistema de financiamento baseado em tributos e em contribuições sociais, o que aportou um volume enorme de recursos para o financiamento da Saúde e da Seguridade Social. No entanto, boa parte dos recursos foi retirada do sistema para atender a outros interesses, alheios ao setor. Até hoje o sistema de saúde luta para garantir recursos - afirma Romero.

Mesmo com os problemas, o especialista destaca avanços em termos de ações e serviços realizados pelo SUS, possíveis desde a constitucionalização da saúde como direito social. Romero destaca, por exemplo, que mais de 90% dos transplantes feitos no país são realizados pela rede pública de saúde.

- Com todas as dificuldades, o Brasil tem o maior programa público de transplante do mundo. De cada cem sessões de hemodiálise feitas no país, noventa e seis são pagas pelo SUS. Grande parte de medicamentos usados para tratamento de Aids, tuberculose, malária e diabetes é fornecida pelo SUS - exemplifica ele. Apesar desses resultados positivos, Romero aponta áreas ainda muito carentes, como a assistência odontológica, por exemplo.

Educação

Na educação, a Constituição também ajudou a acelerar conquistas. A universalização do ensino fundamental, a oferta obrigatória de educação infantil pelo Estado e o crescimento da oferta do ensino médio são alguns dos aspectos destacados. Foi devido à determinação constitucional de estabelecer o caráter obrigatório do ensino fundamental e de responsabilizar o Estado por sua implementação que tem início o processo de avanço desse segmento educacional, afirma o consultor legislativo do Senado Marcelo Ottoni de Castro. Para o cumprimento da norma constitucional, exemplifica ele, são adotadas políticas mais eficazes e racionais de distribuição de recursos.

A Constituição estabeleceu de forma mais clara o papel dos entes federados na educação. Também aumentou a participação orçamentária destinada ao setor. Com as novas regras para distribuição de recursos, adotadas após a promulgação da Carta, os municípios voltam a interessar-se pela educação fundamental e o país atinge a universalização do setor, buscando agora mecanismos para garantir a qualidade no ensino.

Os sistemas de avaliação de escolas e da aprendizagem dos estudantes, adotados pelo país, revelam os impactos das normas constitucionais na sociedade brasileira. A determinação da responsabilidade pública na promoção da educação e de controle social por meio de conselhos e de gestão democrática das escolas tem motivado a busca de melhoria das condições de ensino, ressalta o consultor.

No mesmo sentido, o especialista considera acertada a inclusão, na Constituição, da oferta obrigatória de creches e pré-escolas públicas, mas afirma que ainda é restrito o atendimento a esse segmento. Conforme observa, menos de 20% das crianças com até cinco anos estão matriculadas em estabelecimentos públicos de ensino.

A determinação constitucional de atendimento educacional especializado às pessoas com deficiência é outro acerto dos constituintes apontado por Ottoni. Para ele, é correta a determinação, prevista na Carta, de priorizar o atendimento especializado em escolas regulares, permitindo a integração das crianças com deficiência, sempre que possível.

Os parlamentares constituintes foram claros na preferência constitucional pelo ensino oferecido pelo Estado. A ênfase dada à educação pública motivou o desenvolvimento de políticas e programas capazes de assegurar a oferta de ensino de acordo com os princípios constitucionais.

No balanço feito após 20 anos de promulgação da Constituição de 1988, torna-se evidente a importância da Carta noestabelecimento de direitos sociais e na configuração das bases para a construção da plena cidadania no Brasil. Para os críticos da época e de hoje, foi um erro os constituintes conferirem um grande papel ao Estado, o que resultou na ampliação das despesas públicas e em aumento da carga tributária, dificultando o desenvolvimento econômico do país.

Em tese, parece incompatível que uma Constituição que preconize um "grande Estado" possa contribuir para o avanço do país no sentido de um "grande mercado". O fato é que as mudanças ocorridas no Brasil nesses 20 anos mostram que não houve incompatibilidade. O país conseguiu combinar direitos sociais relativamente amplos com uma economia de mercado.

Iara Guimarães Altafin / Jornal do Senado

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)