Festival da musica popular brasileira 1968

Em 1968, o sucesso "Pra não dizer que não falei das flores" era o favorito no público, mas não venceu o festival

André Nogueira Publicado em 04/04/2019, às 09h45

O Maracanãzinho é preenchido de palmas. "Olha, sabe o que eu acho? Eu acho uma coisa só a mais: Antonio Carlos Jobim e Chico Buarque de Holanda merecem o nosso respeito! - o público vai à loucura, as palmas se intensificam - A nossa função é fazer canções... a função de julgar, nesse instante, é do júri que ali está - as palmas se convertem à uma onda de vaias direcionadas ao júri - Por favor... - tentando conter as vaias e continuar - Tem mais uma coisa só: pra vocês que continuam pensando que me apoiam vaiando - começam os gritos "É marmelada! É marmelada!" - Gente! Gente, por favor! Olha, tem uma coisa só: A vida não se resume em festivais!".

Festival da musica popular brasileira 1968
Geraldo Vandré no Festival (Reprodução)

É assim que começa a apresentação final de Geraldo Vandré que, com apenas dois acordes, levanta o estádio com seu sucesso "Pra não dizer que não falei das flores", famoso pelo apelido "Caminhando e Cantando", ou a "marsellesa brasileira". Neste momento, Vandré entrou para a História da Música Brasileira.

O momento em questão é o famoso Festival Internacional da Canção de 1968, realizado no Rio de Janeiro, como de costume, premiando as melhores canções da Música Popular Brasileira. Geraldo Vandré e Chico Buarque já eram conhecidos nesses eventos. Vandré se tornou famoso por um desses festivais, em 1966, quando enviou sua música Disparada, na voz de Jair Rodrigues. Chico era a personalidade do momento.

Em 1968, foram para a final duas músicas desses autores: Chico Buarque, associado com Tom Jobim, considerado o melhor músico na época, traz Sabiá, música  apresentada por Cynara e Cybele e que faz alusão à Canção do Exílio de Gonçalves Dias e fala da terra-arrasada e do exílio na ditadura, mas de maneira branda; enquanto isso, Vandré traz sua poesia musicada "Caminhando e Cantando", que escreveu em um encontro com Hermeto Pascoal, numa clara convocação do povo contra as autoridades que querem mandar e, por isso, contra a ditadura.

Festival da musica popular brasileira 1968
Buarque, Jobim, Cynara e Cybele (reprodução)

Durante o Festival, ficou claro que a música de Vandré era a favorita. As universidades, as fábricas e as ruas cantavam sua letra e a declaravam hino de sua resistência, marcada pela resistência e pela poesia. Vandré, cada vez mais, era visto como principal artista subversivo pelo regime. 

Uma das estrofes de sua música foi lida como afronta direta ao governo (e os grupos de poder que o formava): "Há soldados armados, amados ou não. Quase todos perdidos, de armas na mão. Nos quartéis lhes ensinam a antiga lição: de morrer pela pátria e viver sem razão". A música de Vandré começa a ser associada à luta pela resistência pela maior parte da sociedade, por mais que Vandré diga que a interpretação dela, por mais que não esteja errada, não é tão simples assim.

No dia 29 de setembro daquele ano, foi consagrada a final do FIC. Porém, antes da conclusão final do júri, dois militares ligados ao policiamento político intervêm na discussão e coloca de maneira clara que Geraldo Vandré não poderia vencer o Festival com aquela música subversiva e claramente política. O clima na época era tenso, às vésperas do decreto que impõe o AI5, e o júri se submeteu à vontade dos interventores.

Festival da musica popular brasileira 1968
Vandré no exílio (Wikimedia Commons)

Na hora de declarar o vencedor da final, o clima era de animação e euforia. Quando o júri declara vencedora a Sabiá de Buarque e Jobim, o estádio volta a se encher de gritos de indignação e confusão. Imediatamente, o público começa a vaiar o júri, Chico, Tom e os policias presentes no recinto. Vandré, já entendido da situação, caminha até o palco, senta no banco, ajeita o microfone e bota o violão no colo. Ele não via sentido nas vaias, declarava que sua música não falava de política, mas sim de amor. Afinal, política se fazia com as mãos, não com a voz.

Festival da musica popular brasileira 1968
Geraldo hoje, após renegar seu legado como "Vandré" e Joan Baez (Reprodução)

Após acalmar o público com o discurso que marcou a história dos festivais de música, Vandré começa a cantarolar a introdução de sua mais famosa música. As vaias desorganizadas logo se tornam um coro que acompanha a melódica voz do paraibano, que começava "Caminhando e Cantando e seguindo a canção...."

Meses depois, o AI5 é decretado. Vandré, contra a própria vontade, sai do Brasil pelo Uruguai e só voltará em 1973, completamente abalado pelo afastamento do país ao qual era tão apegado. Sua música, mais do que o próprio homem, ainda é lembrada pelas pessoas nas ruas. Sua melodia, simples e arquitetada, ainda faz parte do imaginário brasileiro quando se trata de canções de resistência e MPB. E, até hoje, seu ensinamento se faz presente: a vida não se resume em festivais.

Ouça o áudio desse dia marcante:

Festival da musica popular brasileira 1968

Edu Lobo e Marília Medalha

Os Festivais da Canção, que tiveram seu auge no fim dos anos 60, foram eventos musicais que possuíam um apelo similar a uma final de Copa do Mundo dos dias de hoje, tamanha a mobilização da população que, literalmente, vestia a camisa de seu cantor e/ou música preferida, comportando-se como um verdadeiro torcedor.

Em abril de 1965 foi realizado o primeiro festival de música popular brasileira transmitido pela TV Excelsior http://www.telehistoria.com.br/thnews/noticia.asp?id=1476), em São Paulo. Devido ao sucesso retumbante, a emissora promoveu, no ano seguinte, a segunda edição do evento, novamente cercado de pleno êxito. Foi tão grande a repercussão que a TV Record (SP) também decidiu investir no modelo e criou o seu próprio festival, ainda no ano de 1966. Em 1967 foi realizado o III Festival de Música Popular Brasileira, pela TV Excelsior, a versão mais famosa de todas, que revelou vários novos compositores e intérpretes que acabaram escrevendo um pouco da história da música brasileira, como Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Elis Regina.

Paralelamente aos festivais paulistas, a então iniciante TV Globo lançou o Festival Internacional da Canção (FIC), que tinha o seu maior destaque na eliminatória brasileira, também lançando nomes definitivos na nossa música, como Milton Nascimento, Ivan Lins, Raul Seixas, Beth Carvalho e muitos e muitos outros.

A palavra festival vem do latim “ festivitas ”, que significa tanto ‘um dia de festa’ quanto ‘uma maneira engenhosa de dizer’. E essa maneira engenhosa faz-se muito presente nos festivais da década de 1960, precisamente pelo caráter crítico à ditadura militar vigente no período.

Exemplo emblemático é a música "Para não dizer que não falei de flores" ou ”Caminhando” de Geraldo Vandré, que até hoje é cantada nas passeatas e manifestações políticas, principalmente as da classe dos estudantes. Ela concorreu no 3º FIC, em 1968, pouco antes da vigência do Ato Institucional número 5 (AI-5), instrumento legal que decretou censura absoluta aos meios de comunicação e nas manifestações artísticas, sobretudo a música. De certa forma, o AI-5 decretou, também, o fim dos festivais.

Ao falar-se em música brasileira da década de 60 deve-se pensar em quatro gêneros: Jovem Guarda, Bossa Nova, Tropicália e MPB, que, por sua vez, eram divididos em dois grupos: os “alienados” - Jovem Guarda e Bossa Nova e os “engajados” - MPB e Tropicália.

Sob esse rótulo, a música “alienada” preocupava-se com o ciúme da namorada, com a velocidade do carro, com o barquinho, a praia e o sol. Já a música “engajada” abordava temáticas de cunho social, valorizando aspectos regionais.

As músicas da Jovem Guarda e da Bossa Nova eram consideradas apolíticas, no sentido mais exato da palavra. A Jovem Guarda por ser um subproduto do rock americano e a Bossa Nova por retratar o universo da classe média da zona sul carioca. No III Festival da Canção (1968) Caetano Veloso defende a música “ É proibido proibir ”. O público não a recebeu bem, justamente por considerá-la ‘alienada’. Entretanto, este é um perfeito exemplo de música “engajada”, já que o próprio título foi extraído das palavras de ordem dos protestos universitários contra o autoritarismo ocorrido em Paris e conhecido como ‘Maio de 68’. Foi nesse dia, debaixo de estrondosas vaias, que Caetano proferiu seu célebre discurso, cujo trecho mais famoso foi: "Mas é isso que é a juventude que diz que quer tomar o poder? (...) Se vocês em política forem como são em estética, estamos feitos!"

A ação da censura durante o regime militar foi a grande responsável pelo declínio e fim dos festivais. Curiosamente, iniciou-se um período muito fértil na música brasileira, já que os compositores, diante da necessidade de “driblar” a censura, criaram inúmeras letras de fundo político traduzidas em metáforas poéticas. Mas logo no início do AI-5, a situação ficou insustentável. Chico Buarque, depois de preso e interrogado, exilou-se na Itália. Caetano e Gil não tiveram a mesma sorte. Depois de presos um tempo, foram obrigados a abandonar o país, estabelecendo-se em Londres até que pudessem voltar.

Festival da musica popular brasileira 1968

1º Lugar no festival

Local: Guarujá, São Paulo Data: Abril 1965 Classificação: 1º Lugar: Arrastão (Edu Lobo e Vinicius de Moraes) - Intérprete: Elis Regina 2º Lugar: Valsa do Amor Que Não Vem (Baden Powell e Vinicius de Moraes) - Intérprete: Elizete Cardoso

Festival da musica popular brasileira 1968

1º Lugar no festival

Data: Junho 1966 Classificação: 1º Lugar: Porta-Estandarte (Geraldo Vandré e Fernando Lona) - Intérpretes: Tuca e Airto Moreira 2º Lugar: Inaê (Vera Brasil e Maricene Costa) - Intérprete: Nilson

Festival da musica popular brasileira 1968

Chico Buarque e Nara Leão

Local: Teatro Record Data: Setembro e Outubro 1966 Prêmio Viola de Ouro Classificação: 1º Lugar: A Banda (Chico Buarque) - Intérpretes: Chico Buarque e Nara Leão Disparada (Geraldo Vandré e Teo de Barros) - Intérpretes: Jair Rodrigues, Trio Maraiá e Trio Novo 2º Lugar: De Amor ou Paz (Luís Carlos Paraná e Adauto Santos) - Intérprete: Elza Soares

Festival da musica popular brasileira 1968

Edu Lobo, Marília Medalha e
Quarteto Novo

Local: Teatro Paramount Data: Outubro 1967 Prêmio Sabiá de Ouro Classificação: 1º Lugar: Ponteio (Edu Lobo e Capinam) - Intérpretes: Edu Lobo, Marília Medalha e Quarteto Novo 2º Lugar: Domingo no Parque (Gilberto Gil) - Intérpretes: Gilberto Gil e Os Mutantes 3º Lugar: Roda Viva (Chico Buarque) - Intérpretes: Chico Buarque e MPB-4 4º Lugar: Alegria, Alegria (Caetano Veloso) - Intérpretes: Caetano Veloso e Beat Boys Melhor Intérprete: O Cantador (Dori Caymmi e Nelson Motta) - Intérprete: Elis Regina Momento Marcante do III Festival de MPB Beto Bom de Bola (Sérgio Ricardo) - Intérprete: Sérgio Ricardo

Local: Teatro Record Data: Novembro e Dezembro 1968 Júri Especial e Júri Popular Classificação: 1º Lugar (Júri Especial) e 5º lugar (Júri Popular): São, São Paulo Meu Amor (Tom Zé) - Intérprete: Tom Zé 1º Lugar (Júri Popular): Benvinda (Chico Buarque) - Intérprete: Chico Buarque 2º Lugar (Júri Especial) e 2º Lugar (Júri Popular): Memórias de Marta Saré (Edu Lobo e Gianfrancesco Guarnieri) - Intérpretes: Edu Lobo e Marília Medalha 3º Lugar (Júri Especial): Divino Maravilhoso (Caetano Veloso e Gilberto Gil) - Intérprete: Gal Costa 4º Lugar (Júri Especial): Dois Mil e Um (Rita Lee e Tom Zé) - Intérprete: Os Mutantes

Festival da musica popular brasileira 1968

Paulinho da Viola

Local: Teatro Record Data: Novembro 1969 Classificação: 1º Lugar: Sinal Fechado (Paulinho da Viola) - Intérprete: Paulinho da Viola 2º Lugar: Clarisse (Eneida e João Magalhães) - Intérprete: Agnaldo Rayol

Festival Internacional da Canção (TV Rio e Rede Globo)

Ver artigo principal: Festival Internacional da Canção Local: Maracanãzinho - Rio de Janeiro Prêmio Galo de Ouro (Parte Nacional)

Emissora: TV Rio Data: Outubro 1966 Classificação: 1º Lugar: Saveiros (Dori Caymmi e Nelson Motta) - Intérprete: Nana Caymmi 2º Lugar: O Cavaleiro ( Tuca e Geraldo Vandré) - Intérprete: Tuca

Emissora: TV Globo Data: Outubro l967 Classificação: 1º Lugar: Margarida ( Gutemberg Guarabira ) - Intérprete: Gutemberg Guarabyra e Grupo Manifesto 2º Lugar: Travessia (Milton Nascimento e Fernando Brant) - Intérprete: Milton Nascimento 3º Lugar: Carolina (Chico Buarque) - Intérprete: Cynara e Cybele

Emissora: TV Globo Data: Setembro 1968 Classificação: 1º Lugar: Sabiá (Chico Buarque e Tom Jobim) - Intérpretes: Cynara e Cybele 2º Lugar: Prá Não Dizer Que Não Falei de Flores (Geraldo Vandré) - Intérprete: Geraldo Vandré 3º Lugar: Andança (Danilo Caymmi, Edmundo Souto e Paulinho Tapajós - Intérpretes: Beth Carvalho e Golden boys) Momento Marcante do III FIC: É Proibido Proibir (Caetano Veloso) - Intérprete: Caetano Veloso

Emissora: TV Globo Data: Setembro 1969 Classificação: 1º Lugar: Cantiga por Luciana (Edmundo Souto e Paulinho Tapajós) - Intérprete: Evinha 2º Lugar Juliana (Antônio Adolfo e Tibério Gaspar) - Intérprete: Brasuca

Emissora: TV Globo Data: Outubro 1970 Classificação: 1º Lugar: BR-3 (Antônio Adolfo e Tibério Gaspar) - Intérprete: Tony Tornado e Trio Ternura 2º Lugar: O Amor é o Meu País (Ivan Lins e Ronaldo Monteiro) - Intérprete: Ivan Lins 3º lugar: Universo do Teu Corpo (Taiguara) - Intérprete: Taiguara

Emissora: TV Globo Data: Setembro 1971 Classificação: 1º Lugar: Kyrie (Paulinho Soares e Marcelo Silva) - Intérprete: Evinha 2º Lugar: Karany Karanuê (José de Assis e Diana Camargo) - Intérprete: Trio Ternura 3º Lugar: Desacato (Antônio Carlos e Jocafi ) - Intérpretes: Antônio Carlos e Jocafi

Emissora: TV Globo Data: Setembro 1972 Classificação: 1º Lugar: Fio Maravilha (Jorge Ben) - Intérprete: Maria Alcina 2º Lugar: Diálogo ( Baden Powell e Paulo César Pinheiro) - Intérpretes: Tobias e Cláudia Regina Prêmio Especial: Cabeça (Walter Franco) - Intérprete: Walter Franco Participante do VII FIC Eu Quero é Botar Meu Bloco na Rua (Sérgio Sampaio) - Intérprete: Sérgio Sampaio