Explique por que algumas correntes do feminismo

Explique por que algumas correntes do feminismo
Cada vertente do feminismo enxerga a luta das mulheres por uma ótica diferente (Arte: Larissa Ribeiro/AzMina)

Feminismo não tem nada a ver com ódio aos homens ou estereótipos de mulher raivosa ou peluda, como dizem por aí. Feminismo é um movimento que surgiu para lutar por direitos sociais e políticos iguais para homens e mulheres. Basicamente, se você acha que mulheres não merecem tratamento inferior por serem mulheres, você é feminista! Mas quando pensamos na luta das mulheres, é bom saber que existem várias vertentes do feminismo.

Você provavelmente já deve ter ouvido falar em feminismo radical ou interseccional. Isso quer dizer que existem vários jeitos de pensar sobre como essa equiparação de direitos e oportunidades entre homens e mulheres podem ser conquistadas. Ou seja, provavelmente tem uma vertente do feminismo que tem a ver a com a forma como você enxerga o mundo!   

Explique por que algumas correntes do feminismo

Afinal, somos muitas e múltiplas! Cada mulher vive uma realidade diferente a partir da classe social, raça, orientação sexual e muitos outros aspectos que moldam cada uma em seu espaço na sociedade. Mesmo com todas as diferenças entre nós, entendemos que há questões que nos unem em uma luta comum, como a certeza de que nenhuma mulher merece sofrer violência doméstica ou estupro. 

Ainda assim, existem essas diferentes formas de enxergar as realidades e as questões das mulheres no mundo. O movimento feminista é um só, mas tente enxergá-lo como um guarda-chuva. Dentro dele, cada uma das vertentes do feminismo reflete a luta diária de grupos distintos de mulheres. Conheça quais são elas e veja com qual, ou quais, você se identifica!

Feminismo Liberal

Pode ser considerado o feminismo mais antigo, surgiu na Revolução Francesa [século XIX], com Mary Wollstonecraft em “Reinvindicação dos Direitos das Mulheres”. Essa vertente tem como objetivo promover a igualdade entre homens e mulheres por vias institucionais de forma gradativa. O foco não é abalar as estruturas, mas sim inserir as mulheres dentro delas. Por isso a importância da representatividade feminina no congresso e em posições de liderança/poder. 

O feminismo liberal está centrado no indivíduo mulher e em sua liberdade de escolhas e o lugar dos homens nessa linha de pensamento é ao lado das mulheres. 

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É uma vertente que recebe críticas por não considerar que nem todas as mulheres partem do mesmo ponto na vida. “Atua numa agenda de equiparação de direitos, mas sem um enfrentamento às desigualdades, exploração do trabalho e ao capitalismo. Age principalmente na proposição de reformas políticas e legais e no posicionamento do direito de escolha das mulheres”, explica gerente de gênero e incidência política da Plan International Brasil, Viviana Santiago

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Questões pessoais não estão longe do debate. Como popularizou Betty Friedan, um dos ícones desta corrente: “O pessoal é político”. Foi assim que ela incluiu na agenda questões como aborto, liberação sexual, padrões de beleza, violência doméstica, entre outros.

Um dos exemplos do movimento feminista liberal foi a hashtag #HeForShe, da atriz britânica Emma Watson, que visava incorporar a participação dos homens à luta das mulheres por igualdade.

Feminismo Marxista ou socialista

Surgiu das primeiras críticas ao feminismo liberal. “Investiga e explica como o capitalismo e a propriedade privada oprimem as mulheres”, resume Viviana. De maneira simplificada: a opressão da mulher não existe só por conta do machismo, mas também pela forma como a economia se organiza no capitalismo, reduzindo o papel de participação da mulher. 

A primeira luta dessas feministas foi pelo direito ao trabalho. Com o passar dos anos, tornou-se pela a abolição dos meios privados de produção e a redivisão sexual do trabalho.

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Uma das questões centrais dessa vertente é que as mulheres não devem se emancipar somente no mercado de trabalho, mas também dentro da família. Assim, há demanda por uma divisão mais justa do trabalho doméstico e reprodutivo. 

A principal crítica feita a essa corrente é de valorizar excessivamente a condição econômica da mulher e esquecer-se de que dominação e exploração também têm origens culturais e raciais.

Feminismo Interseccional

O feminismo interseccional parte do pressuposto de que além das opressões de gênero, existem outros fatores que oprimem grupos de mulheres e isso deve ser considerado nas demandas “É uma vertente que posiciona raça, classe, gênero e vem sendo reivindicado por mulheres lésbicas e outros grupos de mulheres que chamam atenção para a intersecção entre as opressões que vivenciam”, exemplifica Viviana. 

Basicamente, a ideia é de que não dá para dizer que existe uma mulher universal, mas sim vários grupos de mulheres com questões específicas. As demandas das mulheres brancas são diferentes das negras, que são diferentes das indígenas e isso tudo deve ser pensado pelo movimento.

É nela que se encontram grupos como o do transfeminismo e feminismo lésbico. “A vertente posiciona o termo interseccionalidade, que chama atenção para as várias opressões, como elas se intersectam e produzem uma situação de violação específica”, completa. 

Esse feminismo nasceu como uma crítica ao feminismo branco, trazendo uma maior troca de experiências entre mulheres e considerando que o patriarcado só poderá deixar de existir se todas essas diferentes mulheres se unirem – e se as demandas delas forem atendidas.

Feminismo Radical ou RadFem

O feminismo radical é muitas vezes encontrado em frases como “Eu até concordo com o feminismo, mas não concordo com essas feministas radicais!”. O feminismo radical não  tem esse nome por ser extremista, mas sim por acreditar que a raiz das opressões sofridas pelas mulheres está os papéis sociais atribuídos aos gêneros. Simplificando: menino veste azul e menina veste rosa. Elas entendem mulheres e homens da maneira biológica: mulher tem vagina e homem pênis, mas isso não significa que as mulheres devem corresponder aos estereótipos de gênero impostos sobre elas.

Essa vertente surgiu nos anos 60 nos Estados Unidos a partir das obras de Shulamith Firestone e Judith Brown. A primeira foi fundadora do grupo New York Radical Women e a segunda autora do manifesto feminista radical de 1968 “Toward a Female Liberation Movement”, ao lado de Beverly Jones.

Para o feminismo radical, não adianta uma mulher se empoderar na individualidade, pois estruturalmente ela continuará sendo oprimida pelo machismo institucionalizado na sociedade patriarcal.

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Por isso, prega uma revolução total das estruturas. E também a abolição do conceito de gênero, criando um mundo onde genitais sejam só mais uma característica física. Assim, não faria sentido pensar em mulheres cisgênero ou transgênero, pois nem sequer deveria existir a categoria mulher. 

Essa linha também é contra a prostituição e a pornografia, pois seriam ferramentas dos homens para objetificar as mulheres e explorar seus corpos.

Feminismo Negro

Surge da ideia de que a mulher negra não é representada por outros feminismos, já que, além de tudo, ela também sofre com o racismo. “Posiciona que as questões das mulheres negras estão relacionadas tanto às questões de mulheres quanto a questão racial, e por isso pautar apenas a sua existência enquanto mulheres não é o suficiente para garantia de seus direitos”, explica Viviana. 

O feminismo negro no Brasil inclui pautas como o genocídio da juventude negra, preconceito contra religiões de matrizes africanas e tantas outras vivências que as negras possuem (solidão da mulher negra, por exemplo), que as brancas não conhecem. 

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Qual é a minha vertente feminista?

É importante lembrar que as vertentes não são caixinhas e você pode se identificar com os pensamentos de mais de uma delas. Muitas vezes, mesmo se identificando com uma vertente, nem tudo vai de acordo com suas experiências, e alguns pontos de outras vertentes podem fazer sentido na sua vida.Vale lembrar que, só porque você faz parte de uma vertente, não é preciso concordar com tudo que existe nela. E também que não é preciso demonizar as outras, afinal, todas têm um objetivo em comum! 

O feminismo é um movimento social que, segundo os historiadores, surgiu após a Revolução Francesa e que se fortaleceu na Inglaterra, durante o século XIX, e depois nos Estados Unidos, no começo do século XX. Esse movimento luta pela igualdade de condições entre homens e mulheres, no sentido de que ambos tenham os mesmos direitos e as mesmas oportunidades.

É importante pontuar que feminismo não é o oposto de machismo, pois o machismo é uma construção social que promove e justifica atos de agressão e opressão contra as mulheres. Já o feminismo, conforme mencionamos, é o movimento social que luta contra as manifestações do machismo na sociedade. Assim, o objetivo final do feminismo é construir uma sociedade que ofereça igualdade de condições entre os dois gêneros.

Raízes do feminismo

As origens do movimento feminista remontam ao período das revoluções liberais, das quais o grande destaque foi a Revolução Francesa, influenciada pelos ideais do Iluminismo. Desse período, pode-se destacar a ação de Olímpia de Gouges, que, durante os anos iniciais da Revolução, lutou pela emancipação dos direitos das mulheres, defendendo, principalmente, o direito das mulheres de participar ativamente da política.

Criticou de maneira contundente a atuação dos revolucionários, que, apesar de defenderem causas de “liberdade” e “igualdade”, ainda mantinham a mulher subjugada ao ambiente doméstico, não as permitindo adentrar a política. Em 1791, lançou a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã em contraposição à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, na qual criticava as desigualdades existentes entre os gêneros.

Olímpia de Gouges era girondina e, por suas críticas ao governo imposto pelos jacobinos na época do Terror, foi presa, julgada e sentenciada à morte. Olímpia foi guilhotinada no dia 3 de novembro de 1793, e os relatos afirmam que, ao subir no cadafalso para sua execução, Olímpia soltou a seguinte frase: “A mulher tem o direito de subir ao cadafalso, ela deve ter igualmente o direito de subir à tribuna.”|1|

O movimento feminista ganhou força de fato na Inglaterra ao longo do século XIX, passando depois para os Estados Unidos a partir do século XX. No caso da Inglaterra, o movimento feminista concentrou-se principalmente na luta pela igualdade de condições de trabalho nas indústrias inglesas. As mulheres exigiam uma carga de trabalho e um salário iguais aos dos homens.

No começo do século XX, o movimento espalhou-se para os Estados Unidos e teve como principal bandeira de luta a questão sufragista, ou seja, o direito ao voto. Do movimento sufragista no Reino Unido, destacam-se os nomes de Emmeline Pankhurst e de Emily Davison. A segunda ficou particularmente conhecida por ter se jogado em frente ao cavalo do Rei, o que causou a sua morte em 1913.

No caso do Brasil, o movimento sufragista foi encabeçado por Bertha Lutz, que liderava a Federação Brasileira para o Progresso Feminino (FBPF). Esse movimento feminista encabeçado por Bertha Lutz é atualmente questionado pela sua conduta vista como conservadora. No entanto, a atuação do sufragismo no Brasil fez com que as mulheres tivessem o direito ao voto decretado em 1932.

A partir da década de 1960, o feminismo iniciou uma nova fase, muito influenciada pelo contexto de agitação social com as jornadas de 1968 e o surgimento do movimento hippie. Nesse período, o movimento feminista ganhou força e passou a defender a ideia de que as opressões e violências cometidas no âmbito privado estão relacionadas a uma conjuntura de opressão política. Assim, para reforçar a defesa contra as violências privadas, é necessário atacar a opressão como um todo no âmbito político.

Da década de 1990 em diante, uma nova fase do feminismo iniciou-se e foi nomeada de “terceira onda do feminismo”. A partir desse período, tratou-se de discutir algumas visões imprecisas do feminismo da segunda onda (década de 1960) e o debate foi ampliado com o feminismo, a partir de Organizações Não Governamentais (ONGs), podendo ter acesso a comunidades de mulheres carentes e podendo exercer maior pressão sobre o Estado para o desenvolvimento de políticas em defesa das mulheres.

Desafios do feminismo atualmente

Atualmente no Brasil, o feminismo segue discutindo questões que afetam as mulheres de uma forma geral. Primeiramente, há a desvalorização da trabalhadora em comparação aos homens, sobretudo pelo fato de que, segundo pesquisas feitas pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), as mulheres ganham em média 30% menos que os homens para realizar a mesma função |2|.

Além disso, há a questão do assédio e violência contra a mulher, uma vez que, segundo estudos conduzidos pela Secretaria de Políticas para Mulheres do Governo Federal, uma mulher é estuprada no Brasil a cada 10 minutos e, a cada 90 minutos, uma mulher é assassinada no Brasil. As mulheres estão suscetíveis a esse tipo de violência de gênero em diferentes locais, seja na rua, seja também em suas famílias |3|.

O grande esforço do movimento feminista no caso brasileiro é para lutar contra essas violências e para que o governo crie políticas públicas que combatam isso e que promovam o bem-estar das mulheres na sociedade. Um dos grandes marcos nesse sentido foi o decreto da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, também conhecida como Lei Maria da Penha.

|1| Olympe de Gouges: as mulheres e a revolução. Para acessar, clique aqui.
|2| e |3| O que é feminismo? Para acessar, clique aqui.

Por Daniel Neves

Graduado em História