Essa imagem retrata qual característica existente no território brasileiro conflito cultural

O chamado Descobrimento do Brasil ocorreu oficialmente em 22 de abril de 1500, quando a esquadra comandada por Pedro Álvares Cabral chegou às terras do atual Sul da Bahia. Entretanto, inúmeros historiadores questionam se o termo correto a ser utilizado é “descobrimento”. A pergunta que permeia esse questionamento é como pode o Brasil ter sido descoberto se antes da chegada dos portugueses, e durante milhares de anos, já havia pessoas habitando as terras brasileiras?

A utilização do termo descobrimento está ligada ao etnocentrismo dos portugueses, e também dos europeus. Por entenderem o mundo tendo por centro sua própria etnia, seu próprio povo, os portugueses desconsideraram que os indígenas já conheciam o território. Eles foram os primeiros europeus a conhecerem a localidade. O descobrimento refere-se, então, aos povos da Europa, e não aos povos que já habitavam o continente americano.

Pensando por esse prisma, a chegada de Cabral ao território brasileiro representou mais o início de uma conquista que um descobrimento. Conquista da terra, mas também domínio, exploração e aculturamento dos povos que habitavam o continente. Esse foi o sentido da colonização brasileira iniciada por Cabral. O que se desenhou a partir daí foi o conflito entre povos que partilhavam modos de viver e cultura distintos, no qual o europeu procurou cristianizar e escravizar os indígenas para colocar em andamento seu processo colonizador.

Portugueses foram os primeiros europeus a chegar ao Brasil?

Mesmo a afirmação de que foi a esquadra de Cabral a primeira a chegar ao Brasil é questionável. Historiadores apontam documentos da época que indicam que outros navegadores já conheciam as terras brasileiras. O navegador português Duarte Pacheco Pereira possivelmente chegou ao território brasileiro em 1498, a serviço do rei D. Manuel I. O italiano Américo Vespúcio em finais de 1499 e os espanhóis Vicente Yañez Pinzón e Diego de Lepe teriam navegado na costa brasileira meses antes de Cabral, em 1500.

A chegada de Cabral não teria ainda sido um acaso, um desvio fortuito decorrente de problemas climáticos no oceano Atlântico. Possivelmente, Vasco da Gama instruiu Cabral a desviar da costa africana para fugir das correntes marítimas contrárias no Golfo da Guiné. A passagem de Cabral pelo Brasil possivelmente serviu como uma ação para garantir a posse do território garantido aos portugueses através do que foi estipulado no Tratado de Tordesilhas. Nesse tratado, era estabelecida uma linha imaginária localizada a 370 léguas a oeste das Ilhas de Cabo Verde, dividindo o mundo não europeu entre Portugal e Espanha. O primeiro ficaria com as terras localizadas a leste dessa linha imaginária.

A viagem de Cabral inseriu-se, então, nas diversas expedições de conquista da costa africana e dos territórios asiáticos ricos em especiarias. A esquadra que saiu de Lisboa em 9 de março de 1500 era composta por 13 embarcações (10 naus e três caravelas) e cerca de 1500 homens. O objetivo da missão de Cabral era utilizar as riquezas que levava para realizar alianças e lucrativos negócios em Calicute, na Índia.

Carta de Caminha e o registro da chegada dos portugueses

Em 22 de Abril, pouco mais de um mês após a partida de Lisboa, os homens da esquadra de Cabral avistaram um monte no litoral brasileiro, ao qual deram o nome de Monte Pascoal, em decorrência do período da Páscoa, e desembarcaram no local que chamaram de Porto Seguro, no sul do atual estado da Bahia. Hoje a localidade se chama Santa Cruz de Cabrália.

Pedro Álvares Cabral e sua esquadra permaneceram no litoral brasileiro por pouco mais de uma semana. Aqui realizaram duas missas, reabasteceram suas embarcações e fizeram registros da nova terra ainda por conquistar. O documento mais famoso dessa chegada foi a carta escrita por Pero Vaz de Caminha, enviada ao rei português no dia 1º de maio de 1500, quando uma das embarcações retornou a Portugal. Antes de ser conhecido como Brasil, o território português nas Américas receberia alguns nomes, entre eles Pindorama, Ilha de Santa Cruz e Terra de Santa Cruz.

A diversidade cultural no Brasil é ampla desde o processo de colonização de nosso país. Prova disso é o fato de que não há um traço fenotípico único que caracterize o brasileiro, como existe com povos de diferentes localidades da África e da Europa, da Índia ou dos países da Ásia Oriental.

Uma notícia chama a atenção para esse fato: em 2018, o mundo descobriu que o ditador norte-coreano Kim Jong-Un e seu pai utilizaram passaportes falsos com nacionalidade brasileira para viajar para países ocidentais.|1| Sim, é possível a um oriental coreano se passar por brasileiro, assim como pode fazer um nigeriano, um holandês, um indiano ou um nepalês. A verdade é que não temos, no Brasil, um fenótipo que nos defina, pois somos o resultado de uma intensa mistura.

Leia também: Cultura brasileira: da diversidade à desigualdade

Resumo sobre diversidade cultural no Brasil

  • A diversidade cultural é a convivência simultânea de várias etnias e culturas em um recorte territorial e social.

  • O Brasil é um país com diversidade cultural.

  • A nossa diversidade cultural deriva da diversidade de povos que compõem o nosso território.

  • A diversidade cultural nos marca enquanto povo: somos, essencialmente, diversos.

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Grande parte da diversidade cultural brasileira deriva das culturas dos povos africanos que foram escravizados entre os séculos XVI e XIX.[1]

A diversidade cultural é a composição plural de culturas que convivem juntas no mesmo território. As culturas advêm da formação étnica, que carrega não só traços raciais, mas também traços da cultura geral de um povo.

Cultura é um complexo conjunto de elementos que envolve arte (todas as linguagens artísticas possíveis, como a pintura, a escultura e outras artes visuais, o artesanato, a literatura, o teatro etc.), educação, religiões e religiosidade, culinária, idioma, festividades, histórias populares etc.

A cultura é representada na antropologia (uma ciência ligada às Ciências Sociais) por meio do conceito de etnia. O conceito de etnia também se relaciona com o conceito de raça (criado para dar conta dos conflitos raciais presentes em nosso mundo), pois cada agrupamento humano, além de apresentar suas características fenotípicas, apresenta sua cultura.

Falar em diversidade cultural também vai além do simples fato de constatar o convívio conjunto de culturas diferentes em um mesmo local. Ao falarmos de diversidade cultural, nós estamos falando também de respeito à diversidade e à pluralidade, pois uma sociedade com diversidade que se pretende justa e democrática precisa do respeito ao diferente para funcionar.

Confira no nosso podcast: Funk é cultura?

Por que o Brasil é um país com diversidade cultural?

O antropólogo brasileiro Darcy Ribeiro (um dos chamados intérpretes do Brasil) escreveu um livro sobre a diversidade cultural brasileira. É um livro complexo, que tenta entender por qual motivo o Brasil se tornou o que é, mas que também celebra a nossa diversidade cultural.

O autor não aceita uma fórmula pronta, que apenas afirma que o Brasil é resultado da mistura de indígenas com povos africanos e europeus. Segundo Darcy Ribeiro, o Brasil agrupou, na sua formação colonial, cinco grandes eixos culturais, que por si só já têm diversidade. São eles:

  • O Brasil crioulo, da área litorânea do extremo norte da região Nordeste ao Rio de Janeiro, com bastante influência da cultura africana (que também é diversa).

  • O Brasil sertanejo, no interior do Nordeste, onde predomina a Caatinga.

  • O Brasil caboclo, predominante na região Norte, com forte presença de culturas indígenas.

  • O Brasil caipira, com predominância nas regiões Sudeste e Centro-Oeste.

  • O Brasil sulino, com predominância de miscigenação mameluca e grande influência europeia e indígena.

Isso nos mostra que falar da diversidade cultural brasileira é mais complexo do que parece. Podemos começar falando dos povos indígenas. Hoje existem 305 etnias indígenas brasileiras que ainda resistem ao genocídio europeu e ao etnocídio provocado pela cultura branca. São contados, aproximadamente, 900 mil indígenas vivendo em território brasileiro, de acordo com o Censo de 2010.

Estima-se que, em 1500, eram mais de cinco milhões de indígenas, o que sustenta a fecunda hipótese de que havia muito mais do que 305 etnias. Apesar de cultura muito similar dentro dos agrupamentos próximos, havia uma diversidade cultural imensa entre os povos indígenas.

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O Cacique Raoni é uma liderança indígena que luta pelo reconhecimento dos direitos e respeito à cultura dos povos indígenas.[2]

Em 1530, começou um intenso plano de colonização do Brasil por meio do sistema de capitanias hereditárias, o que motivou a vinda de portugueses para nosso território. Com as primeiras levas de portugueses que vieram para cá, já começou um processo de tentativa de aculturação dos povos indígenas e de miscigenação entre portugueses e nossos nativos que viviam nas regiões litorâneas, sobretudo do Nordeste e Sudeste.

Entre a segunda metade do século XVI e o século XVII, os colonos começaram a buscar uma mão de obra barata para trabalhar naquela que era a principal fazenda econômica da época: o engenho de açúcar. Com isso, colonos portugueses se valeram de um mercado que vinha crescendo e rendia muito lucro, o tráfico negreiro.

Africanos eram capturados e escravizados na África, eram vendidos para comerciantes, principalmente ingleses e portugueses, que traziam essas pessoas abarrotadas em porões de navios para o continente americano, para trabalharem nas lavouras. Essa prática foi mantida no Brasil até o século XIX.

Os povos africanos também eram diversos e muitos foram capturados em seus territórios por africanos de outros reinos ou aldeias. Havia africanos de reinos e de aldeias, das mais variadas localidades da África, que foram escravizados aqui. No início, eles não tinham uma língua comum nem falavam a língua de seus senhores, o que dificultava a resistência. Somou-se à diversidade cultural indígena a diversidade cultural africana. Também houve a influência portuguesa.

Mais tarde, chegou ao nosso território também descendentes de holandeses, franceses, espanhóis e, no século XIX, italianos. Ainda teve um intenso fluxo migratório de japoneses, árabes, turcos, libaneses e judeus de vários locais da Europa.

Como não houve, inicialmente, uma segregação racial na reprodução (diferentemente de outros povos europeus, os portugueses já eram miscigenados), a miscigenação aconteceu e a diversidade cultural se instalou em nosso país. Nós herdamos, portanto, traços culturais comuns de todos esses povos que aqui estavam ou que para cá vieram.

Leia também: O que é apropriação cultural?

Qual a importância da diversidade cultural no Brasil?

O primeiro e mais importante argumento a favor da diversidade cultural brasileira diz respeito à nossa própria cultura, pois ela só é o que é hoje por conta do curso da história que proporcionou todos os acontecimentos citados nos tópicos anteriores. Se não fosse diversa, não seria a cultura brasileira que temos hoje.

O segundo e mais forte argumento é o do respeito e da tolerância cultural. Por termos uma cultura tão vasta, aprendemos (às vezes nem tanto) a lidar com o diferente. Com isso, podemos desenvolver a tolerância por aquele que vive de maneira diferente da nossa e enxergá-lo como alguém que merece respeito bem como viver e expressar-se tanto quanto os que vivem e se expressam como nós.

Notas

|1| Confira a matéria que fala sobre o caso clicando aqui.

Créditos da imagem

[1] Helissa Grundemann / Shutterstock.com

[2] Gero Rodrigues / Shutterstock.com

Por Francisco Porfírio
Professor de Filosofia