Quanto mais crescente a adesão à prática do check-up de saúde, mais frequente o número de pessoas que acorrem ao consultório, preocupadas com os resultados de exames que detectaram elevação nos níveis de suas enzimas hepáticas. Um tema tão recorrente merece revisão. As transaminases (TGO e TGP), atualmente denominadas aminotransferases (AST e ALT) são enzimas do fígado que têm seus níveis sanguíneos aumentados, quando existe lesão nas células hepáticas. Os valores de referência utilizados pelos laboratórios são obtidos pela média dos resultados encontrados na população saudável, com desvio padrão estimado em ± 2, significando que em 2,5% da população normal os resultados ficam acima do limite superior. Assim, pequenas elevações nos níveis das enzimas hepáticas, (menos de duas vezes acima do valor de referência), podem ocorrer em indivíduos normais (N Engl J Med 2000;342:1266). A gamaglutamil transpeptidase (Gama GT) aumenta nas lesões dos hepatócitos e na colestase. É uma enzima lábil, pouco específica, que pode se apresentar elevada mesmo quando não existe lesão no fígado, a exemplo da pancreatite, diabetes, enfarto do miocárdio, insuficiência renal, doença celíaca e após exercício físico intenso. Aumento isolado da Gama GT (com níveis de AST e ALT normais) pode ocorrer pela ingestão de álcool e barbitúricos, mesmo sem evidências de lesões hepáticas. Do mesmo modo que a Gama GT, a fosfatase alcalina é uma enzima que aumenta nos casos de colestase, mas também aparece elevada nas doenças ósseas e no terceiro trimestre da gravidez. São necessárias algumas investigações para podermos concluir se estas pequenas alterações estão ou não relacionadas à eventual doença As causas mais frequentes são o álcool, esteatose hepática, medicamentos e as hepatites B e C. A tolerância do fígado ao álcool varia muito de indivíduo para indivíduo. Para alguns, mesmo o beber esporádico, “socialmente”, pode acarretar aumento das enzimas hepáticas, especialmente da Gama GT e AST (relação AST: ALT pelo menos 2:1, quando relacionado ao álcool). Para poder descartar tal hipótese, o clínico deve recomendar abstinência total por 1 a 2 meses e, após esse período, solicitar a repetição dos exames. Se os novos resultados se apresentarem normais, o paciente pode ser liberado, com o alerta sobre sua sensibilidade ao álcool e à necessidade de dosar o consumo, quando eventualmente quiser tomar um drink. A esteatose hepática, é diagnosticada pela ultrassonografia abdominal e pela elevação dos níves da ALT. Do mesmo modo que a obesidade, sua prevalência está aumentando atingindo atualmente 20% da população mundial e 70% dos pacientes com diabetes tipo II. Em 3 a 5% dos casos o aumento da gordura no fígado provoca inflamação dos hepatócitos(esteato hepatite não alcoólica), com elevação dos níves de AST e risco de elevação para cirrose e hatocarcinoma (BMJ 2014:349:g 45 96). A orientação para esses pacientes deve ressaltar a importância de hábitos saudáveis, como os propagados cuidados com a dieta e a prática regular de exercícios físicos, solicitando repetição dos exames após um ano. Medicamentos também podem ocasionar elevação das enzimas hepáticas, especialmente os antiinflamatórios, antibióticos, antiepiléticos e até mesmo ervas medicinais. O diagnóstico é difícil, exigindo um trabalho investigativo mais cauteloso: sendo possível, deve-se suspender ou substituir a substância suspeita, e repetir os exames após algumas semanas. As hepatites crônicas por vírus B e C são assintomáticas nas fases iniciais e devem sempre ser investigadas: HBsAg, antiHBc e antiHCV. Se os exames forem positivos, encaminhar para especialista; atualmente dispomos de medicamentos eficazes, disponibilizados até mesmo pelo SUS. Quando as alterações nas enzimas persistem sem diagnóstico é necessário prosseguir na investigação. Exames para diagnosticar hepatite autoimune, cirrose biliar primária, hemocromatose, etc, que podem também provocar aumento das enzimas hepáticas nas fases iniciais sem qualquer tipo de sintoma, devem ser solicitados sem pressa, caso a caso. Alguns especialistas recomendam que para pacientes saudáveis e assintomáticos uma conduta expectante é a melhor estratégia (Gastroenterology 1998;114:9); e que a biópsia hepática raramente influencia o tratamento (A M J Gastroenterol 2000;95:3206) Indivíduos jovens, saudáveis e assintomáticos têm constituído a maioria dos casos aqui citados, e o clínico geral pode perfeitamente conduzir tanto o diagnóstico quanto a orientação dos pacientes, reservando o encaminhamento a um especialista, apenas quando persistirem dúvidas.
Este conteúdo tem o apoio da Secretaria Estadual da Saúde do Rio Grande do Sul
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Em pacientes sem sinais ou fatores de risco para hepatopatia crônica com elevação de enzimas hepáticas em até duas vezes o limite superior da normalidade (LSN), pode-se apenas repetir a dosagem de aspartato aminotransferase (AST/TGO) e alanina aminotransferase (ALT/TGP) em 3 meses, sem necessidade de outros exames [1,2,3]. Mais frequentemente, a alteração de enzimas hepáticas em um indivíduo assintomático deve-se a situações agudas, como uso recente de medicações potencialmente hepatotóxicas ou quadro infeccioso sistêmico recente [3]. Nos pacientes que apresentam fatores de risco para hepatopatia ou sinais e sintomas de doenças hepáticas (ver quadro 1) a investigação inicial consiste em fazer avaliação clínica, repetir os exames alterados e solicitar exames adicionais conforme descrito a seguir [1, 2, 3, 4]:
Os principais fatores de risco para hepatopatia que devem ser considerados na avaliação inicial são os seguintes [5, 6, 7]:
Quadro 1: Suspeita ou diagnóstico de cirrose.
Fluxograma 1: Investigação de elevação de enzimas hepáticas. Faça download do fluxograma aqui Caso as alterações de AST e ALT sejam de magnitude entre 2 e 5 vezes o LSN, sugere-se realização de testes rápidos para Hepatite B e C imediatamente e solicitar novas provas de função hepática em 3 meses. Caso as alterações sejam maiores que 5 vezes o LSN, orienta-se realizar os testes rápidos para as hepatites e solicitar novas provas de função hepática imediatamente, além de solicitar ultrassonografia abdominal [1,2]. É importante sempre reforçar a necessidade de realizar a reavaliação clínica e laboratorial, para não haver risco de perda de seguimento caso existam alterações significativas de função hepática [10]. Além da investigação inicial, outros exames podem ser úteis na investigação (conforme indicado no fluxograma 1):[1, 2, 3]
Caso haja alteração de fosfatase alcalina >1,5 o LSN, juntamente com alteração de gama-GT, devemos considerar alterações de vias biliares. Neste caso, a ultrassonografia de abdome superior deve ser solicitada para avaliação da vesícula e das vias biliares intra e extra-hepáticas (3). Se houver alteração de FA sem alteração de gama-GT, deve-se investigar doenças ósseas, como metástases, doença de Paget e hiperparatireoidismo. Nesses casos, ainda que sejam doenças usualmente assintomáticas, deve-se a presença de sinais e sintomas associados a essas condições, e a investigação laboratorial pode ser iniciada com dosagem de cálcio total, albumina e PTH e vitamina D [4]. Pacientes que apresentem dor óssea localizada podem ser avaliados com radiografias das regiões sintomáticas, especialmente em membros. Naqueles com neoplasias conhecidas e dor em esqueleto axial, outros exames podem ser necessários, como cintilografia óssea e ressonância magnética da coluna [8]. A elevação isolada de gama-GT, com demais exames hepáticos normais, não indica doença hepática, não havendo necessidade de prosseguir investigação [9]. A abordagem a seguir depende da magnitude da elevação das enzimas e da presença ou não de alterações na síntese hepática: em caso de icterícia ou alteração do tempo de protrombina (INR) acima de 1,5, deve-se avaliar atentamente a possibilidade de insuficiência hepática grave e considerar avaliação em emergência ou encaminhamento precoce para atenção especializada [3, 4]. Quando houver suspeita clínica ou laboratorial de cirrose, deve-se realizar ecografia de abdome superior para avaliação morfológica hepática, presença de nódulos e de líquido livre intra-abdominal (ascite) e realizar encaminhamento do paciente à atenção especializada [7, 11]. Podem ser acompanhados na APS os pacientes com investigação inicial negativa, sem sinais de cirrose, cujos exames tenham voltado à normalidade ou permaneçam apenas levemente alterados (abaixo de 2x o LSN) e sem alterações nos resultados de bilirrubina e tempo de protrombina [1,2,3]. Caso a investigação inicial na APS seja inconclusiva e o paciente apresente elevação de aminotransferases >5x o LSN ou FA > 1,5x o LSN, está indicado o encaminhamento à atenção especializada. Caso as alterações sejam menores – aminotransferases entre 2 e 5x o LSN e/ou FA entre 1 e 1,5x o LSN – mas persistindo por mais de 6 meses, também há indicação de encaminhamento [10]. Quadro 2. Medicamentos com potencial de hepatotoxicidade mais utilizados na prática clínica .
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Como citar esse documento:Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia. TelessaúdeRS (TelessaúdeRS-UFRGS). Como investigar enzimas hepáticas elevadas em paciente assintomático na APS? Porto Alegre: TelessaúdeRS-UFRGS; 10 Nov 2021 [citado em “dia, mês abreviado e ano da citação”]. Disponível em:
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